Perturbadora. A peça “DentroFora” da companhia gaúcha In.Co.Mo.De-Te é assim, uma reflexão perturbadora.
Antes de ir à peça eu conversava com um amigo sobre como as pessoas estão fechadas em si, em seus compromissos e ele dizia: “É a pós-modernidade”. (Uma explicação que não me convencerá nem em mil anos).
Ao chegar ao teatro encontro duas pessoas encaixotadas. Um homem e uma mulher cada uma numa caixa. Eles conversam, se relacionam separados por uma parede.
Relembram os velhos tempos em que dançavam, as viagens e discutem temas importantíssimos como o conceito de azul. Sozinhos, isolados.
Ela chega até mesmo a quase fazê-lo adiá-la só pra que ele perceba que ela a ama. Mas nada adianta, eles estão separados por barreiras quase intransponíveis que talvez nunca tenham existido, mas que um dia criaram, entraram e onde agora se expõem, como numa vitrine.
Certo momento ela começa a chorar porque não aguenta mais e o parceiro, do outro lado da parede, percebe o estado de espírito dela e fica muito exaltado porque ela está feliz. Ela, é claro, confirma tamanha felicidade. E vejo tanta semelhança conosco, nós que estamos fora da caixa. Nós e nossos computadores (caixas?), fingindo que somos sempre tão felizes. Nada de contato, assim podemos manter a pose, não é mesmo?
Mas o mais perturbador de tudo é quando ela acha a porta. Abre. Vacila entre dentro e fora enquanto o companheiro (que não acompanha) continua a falar. E ela volta! Ela volta pra caixa sem dizer uma palavra. Como se aquilo fosse normal, como se a caixa fosse o único lugar possível. Pelo menos é cômodo, não é mesmo?
Quer dizer, ela diz. Ela começa o mesmo diálogo do início da peça e que repetiu inúmeras vezes:
“Será que vamos encontrar?”
Ele: “O que?”
Ela: “Não sei, pra mim tanto faz”
Talvez enquanto tanto fizer pra gente, se não estabelecermos prioridades, se não conseguirmos perceber o outro, tanto faça mesmo. Abrir ou não a porta, dentro ou fora, tanto faz. Estamos todos isolados mesmo.
“DentroFora” foi apresentada gratuitamente durante o Festival do Teatro Brasileiro, no Instituto Federal de Goiás. Com direção de Carlos Ramiro Fensterseifer e no elenco, Nelson Diniz e Liane Venturella.
Mayara, que bom de ler porque me faz pensar que assisti o que não vi: DentroFora. Estou em um movimento solitário de protesto contra mim e para que eu perceba. Estou tentando me sensibilizar para ver se me comovo com minha situação. Não quero tão cedo atualizar o Facebook; não quero expandir minha rede de amizade; não quero insistir no falso contato, e é por isso que aposto, agora, na verdade do dentro. E de tanto imergir é que espero não me enganar sobre a caixa que me protege do contato com a caixa que envolve o outro. Vai que eu me iludo de novo que o que está diante de mim é gente... sendo que é pura e simplesmente caixa!
Persistirei no meu protesto solitário. Persista na escrita - é um movimento pela libertação.
Gosto muito dos seus comentários, Mayara Vila Boa. Eles são muito importantes para o amadurecimento do teatro em Goiânia e em Goiás.
Em relação ao DentroFora eu concordo quando você diz das sensações transmitidas, relacionadas ao universo individual de cada um.
Porém eu me senti inquieto na cadeira do teatro durante a peça, principalmente no início. Saí da sala gostando muito do trabalho dos atores, da luz, da cenografia e da caracterização e também do tema. É uma montagem muito bela.
Então o que me incomodou? Em uma conversa na minha aula de Literatura Dramática, no CEP Basileu França, discuti isso com minha professora, a Cristiane Lopes. Ela não pode ver mas me contou que alguns amigos que assistiram disseram-lhe que a dramaturgia da peça é frágil, que o texto não tem o necessário para dar suporte à linguagem proposta.
Essa análise não foi minha, mas meio que me convenceu e me esclareceu o motivo pelo qual fiquei um pouco inquieto na poltrona. Acredito sim que o texto poderia ter prendido mais a atenção, como acontece em Esperando Godot , referência na linguagem do absurdo, de Samuel Bekett.