Abril Despedaçado e os ritos de passagem*



“Abril Despedaçado” conta a história de duas famílias que estão em uma guerra centenária por causa da posse da terra no interior do nordeste. Essa guerra tem regras claras: uma pessoa é morta por vez, e o assassino do último sempre será a próxima vítima e a vingança será quando a camisa manchada de sangue do morto anterior amarelar.
Uma dessas famílias tem como filhos Tonho e o menino (assim mesmo sem nome). A presença de uma camisa manchada de sangue marca presença na propriedade e avisa que algo deve acontecer. E acontece. Assim que o sangue amarela, Tonho (o filho do meio) é impelido pelo pai a vingar a morte do irmão mais velho. Logo que concretiza sua missão, ele sabe que pouco tempo lhe resta de vida.
É aí que Tonho e o menino começam a dar sinais de que não concordam com as regras ditadas para vida e morte dos membros da família. A inquietação parte principalmente do caçula da família, sem nome e destinado a ver os irmãos morrerem até que chegue a sua hora.
Tudo começa a mudar quando dois artistas mambembes, Clara e Salustiano, passam pelo sítio onde os irmãos vivem. Clara presenteia o menino com um livro. Mesmo não sabendo ler, ele pode entender a história pelas figuras e também pelo que a artista lhe conta. A partir desse momento menino passa horas com o livro na mão imaginando que um dia a sereia do livro, que na imaginação dele é Clara, vai levá-lo para outro lugar.
A mudança começa a se concretizar quando os irmãos vão até a cidade (sem que o pai saiba) para ver a apresentação dos artistas. Depois do encontro com a arte, Salustiano dá um nome ao menino, que passa a se chamar Pacu. É esse também o ponto detonador para que Tonho decida aproveitar um pouco da vida que ainda lhe resta. Ele, que nunca tinha ido além da pequena cidade vizinha do sítio, decide seguir com os artistas mambembes.
Algum tempo depois, o compromisso com a morte faz com que Tonho retone ao sítio. Na mesma noite, durante uma chuva, Clara aparece no sítio e há a iniciação dele na vida sexual. Pacu, que vê quando a artista vai embora, entra no paiol e veste a roupa do irmão, que dorme, ele inclusive coloca a faixa preta que marca o próximo a morrer na guerra entre as famílias.
O caçula da família caminha pela caatinga contando para si mesmo a história da sereia que veio buscá-lo para o fundo do mar. Nesse exato momento ele é morto, confundido com Tonho. O que representa uma libertação tanto para ele como para o irmão.
Assim como nos ritos de passagem realizados por muitas sociedades que são marcados por sangue, é o sangue derramado de Pacu que vai fazer com que Tonho possa mudar seu status na sociedade. A partir da morte do irmão Tonho se vê livre da tradição familiar e corre ao encontro de si mesmo. Longe do pai, dos vizinhos, da guerra, à procura de uma identidade, no encontro com o mar.
“Abril Despedaçado” fala de encontros de realidades diferentes e em como isso pode mudar a vida das pessoas. Também mostra os ritos de passagem que todos nós celebramos em algum ponto de nossas vidas fazendo com que tudo mude, o chamado turning point.


Ficha Técnica
Título Original: Abril Despedaçado
Gênero: Drama
Duração: 105 min.
Lançamento (Brasil): 2001
Direção: Walter Salles
Roteiro: Walter Salles, Sérgio Machado e Karim Aïnouz, baseado em livro de Ismail Kadará

* Conto o final do filme. Se você é daqueles que não gosta de saber do fim do filme, não leia, ou pare de ler no 6º parágrafo.

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    Goiânia, Goiás, Brazil
    Jornalista por formação, especialista em Filosofia da Arte. Trabalho em TV, mas sempre ligada ao Jornalismo Cultural, com ênfase em Teatro e Cinema.

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