A crítica

"De resto, somos todos críticos, irremediavelmente críticos, incansavelmente críticos, na medida em que a leitura de um livro, a contemplação de um quadro ou de um espetáculo não nos deixam indiferentes, suscitando em nós uma certa reação, favorável ou desfavorável, manifestada seja em palavras, seja na expressão do corpo e da fisionomia, no ar de euforia ou de aborrecimento. O bocejo, a conversa entre vizinhos, a tosse, o estalar da cadeira quando se muda de posição, são outras tantas formas de condenação crítica que nenhum ator ignora. O crítico nesta acepção, a mais lata do vocábulo, é simplesmente outro, o não-eu, a cujo escrutínio e julgamento nunca conseguimos escapar. Daí o espanto indignado de alguns atores. Se todos, nos camarins, após o espetáculo, na fila dos cumprimentos, foram unânimes em elogiar o seu desempenho, porque só aquele miserável mortal que ainda por cima dispõe de uma coluna jornalística declara o contrário? A resposta é óbvia: porque só ele, por dever de ofício, disse exatamente o que pensava, infringindo os mais elementares preceitos da boa convivência e da boa educação.
Mas quem lhe deu o direito de expressar em público e em letra de forma o que os outros, geralmente com crueldade bem maior, reservam aos comentários orais? De onde lhe vem essa autoridade, tão espirituosamente contestada por Diderot?
Em parte dele mesmo. O crítico, como qualquer profissional, vale por sua competência no assunto, por sua informação estética e histórica, por sua perspicácia discernimento."

Décio de Almeida Prado, em Exercício Findo: Crítica Teatral ( 1964 – 1968).

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    Goiânia, Goiás, Brazil
    Jornalista por formação, especialista em Filosofia da Arte. Trabalho em TV, mas sempre ligada ao Jornalismo Cultural, com ênfase em Teatro e Cinema.

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